Palavra feito asas

Quando ela falava, as palavras saiam de sua boca

feito pássaros batendo asas.

Cantantes e festivas voavam pra longe

pousavam na rede elétrica de pés descalços

pousavam em corpos estáticos, digo

cheios de energia estática

pousavam seus corpos em um cenário qualquer.

Quando batiam asas, pareciam gritos

pareciam palavras procurando significados outros

que não os iniciais, ao voarem compunham um rito

formavam orações inteiras nos desenhos das nuvens de alguém.

O vento levava a fala pra longe

fazendo as palavras dançarem no ar

faziam-nas perderem-se nos lábios, fazerem firulas nas línguas

ao trocarem saliva gostos e cheiros.

Ao falar, ela criava asas e voava pr'além de seu mundo

trocava experiências, expandia seu vocabulário, emancipava-se

compartia visões de mundo, tornava-se melhor.

Calada, era só mais uma palavra intrincada entre os dentes

corroendo-se de vontade de ter asas pra voar pra longe

para bem longe dos lábios, pra bem longe do silêncio vazio

que compreende a não-poesia.