PÉ DE VENTO

Corre no oco do mundo

Um tal bicho barulhento

Com os olhos de mormaço

As garras feita de vento

Vem num trupé de dá medo

Faiscando no lajedo

Do raso da Catarina

Derrubando os braunais

Vem acordando as corais

Bufando pela narina.

Chega no meio das brenhas

Feito um doido varrido

Assanhando os formigueiros

No barro amolecido

Se encolhe se espicha

Vem com a bexiga lixa

Comendo tudo no centro

Dá bufete faz munganga

É o cão chupando manga

Virado num mói de coentro.

Da serra traz o chiado

Do guizo da cascavel

Rastejando nos agaves

Barrenta baba de fel

Bate porteiras, janelas

Derruba as ciriguelas

No dorso das ribanceiras

Rodopia dá pinotes

Cafungando nos decotes

Das virgenzinhas brejeiras.

Quando lambe os barreiros

Arranca as macambiras

Os seixos se precipitam

Pelas guelras da traíras

Há nas vazantes de lamas

Uma manta de escamas

Dum caboje que findousse

Neste fúnebre mistério

Surge ali um cemitério

De peixes de água doce.

Se dana nas coivaras

Soprando em aspiral

Vomitando laberedas

Dentro do canavial

Os pendões das canas finas

Se derretem nas resinas

Do pé de manjericão

Tudo fica sepultado

Qual um inferno torrado

Com demônios de carvão.

Os guarás se arrepiam

Uivando pelo cerrado

E o bacurau cinzento

Escuta tudo calado

Das moitas vem o zunido

Do frio umidecido

Pelas frieza dos cumes

Arfando a tez da lua

Vem cobrir a noite nua

Um lençol de vagalumes.

Fecha tramelas do tempo

Rangendo muda o jogo

Se é dia trinca o chão

Se é noite cospe fogo

Ate a onça pintada

Dentro da mata mofada

Escapole no escuro

E as ortigas ranzinzas

Se misturam com as cinzas

Nevoadas no munturo.

Onde passa arrebenta

Qual monstro da cordilheira

Tira a palha deixa nua

A mais formosa palmeira

Desordeiro e sem pudor

Dá rodopios de calor

No corpo seco sem dó

Da terra fraca rachada

Que se entrega cansada

Parindo um filho de pó.

Lá do alto do moxotó

Ate o alto do Moura

Corre uma veia cinzenta

Duma salobra salmoura

Fervendo em bolhas pardas

Pelas entranhas salgadas

Das serras prados e glebas

Onde o vento num trago

Sorve o gosto amargo

Do ranço das jurubebas.

Nas madrugadas azuis

Murmura denso açoite

Ao som da flauta dolente

Dos anjos da meia noite

Diante tanta magia

O vento lento assobia

E tudo ao redor pasma

Ouvindo triste lamento

Duma rabeca de vento

Tocada por um fantasma.

Agora só o silêncio

Ecoa um ar profundo

Como se tudo ali fosse

Um mundo em outro mundo

Ao chegar um novo dia

Virá outra ventania

Adubada de robustez

Riscando no nevoeiro

Pra o vento arangueiro

Rodopiar outra vez.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 20/05/2019
Reeditado em 30/08/2019
Código do texto: T6652142
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