O CIO

A madrugada é primaveril

Lá fora não há calor nem frio

Da janela do meu quarto

Olho uns quintais com suas casas

Num dos quintais uma cadela no cio

Do outro lado da cerca de arame

Um cão tortura-se em amantes latidos

A cadela assanha-o ainda mais

Encosta o sexo na cerca e permite-lhe a lambida

O cão ensandecido de desejo rodopia de alegria

Corre de um lado para o outro em desarmonia

Tenta escalar a cerca de arame em agonia

Tudo em vão

Resta-lhe a condenação de ser apenas cão

(no meu quarto ouço uma serenata: Brahms)

Da janela do meu quarto

Interiorizo-me na alcova dos casais

Quantas mulheres com o sexo em brasa

Recostam em cada marido distante

Ressuam o corpo como perfume exalante

Da flor-dos-amores em cio suplicante de carícias e beijos

Nenhuma cerca as separa de seus amantes

Apenas o ronco estridente e o ranger de dentes

Daqueles que outrora foram grandes amantes

E o cio assim dessas donzelas em cio

Aos poucos vai morrendo a cada desafio

Sem saber se é mulher ou apenas calafrio

Numa noite de primavera

Onde não faz calor nem frio

(no meu quarto a serenata de Brahms finda)