Lágrimas ocultas

Com carinho, gloso o quarto mote do poema

"Lágrimas ocultas" de Florbela Espanca

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim.

****

E as lágrimas que choro, branca e calma,

escorrem pela face enrugada do tempo.

São como lembranças do cruel contratempo,

que marca o que hoje sou, ressequida palma!

Só eu sei o gosto amargo que elas provocam!

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Sorrateiramente chegam da ilusão que espalma,

sentimentos afagados que do amor evocam.

Na dor e amargura da cruel despedida,

brotam como líquidos cristais lapidados assim.

Ninguém as vê cair dentro de mim.

São como resignadas gotas da alma rompida.

Santos/SP

23/09/07

***

Lágrimas ocultas

Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era q'rida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida

Que dantes tinha o rir das Primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim.

***

Guida Linhares
Enviado por Guida Linhares em 23/09/2007
Código do texto: T664895
Classificação de conteúdo: seguro