Poema Proibido

Com sorte, a dor passa

o trauma cede

o brilho nos olhos volta a ser como era antes.

Com sorte, a cor resplandece incessante no horizonte

e o céu, novamente se enche do azul de sempre

e das brancas nuvens pintadas a mão

que o preenchem e ao vazio a nossa frente.

Com sorte a gente esquece tudo isso,

e tudo volta a ser como sempre fora.

Por sorte, temos um ao outro.

Senão tudo estaria perdido.

Pena não ser hoje o seu dia de sorte

E a sua visão estar tão turva

Pena é ver tantos olhos famintos e tantos lobos a espreita.

Pena é ver o ser humano tornar-se bicho

e estuprar sua moral desse jeito,

e ver que toda a dor de uma menina ainda é pouco

frente aos covardes que a violam feito animais,

um após o outro, sem dó.

Com sorte você sobrevive a tudo isso e quem sabe,

consegue erguer-se novamente um dia.

Quem sabe, se a sociedade não te culpar por você estar lá

naquele horário, de saia curta, se exibindo pra matilha,

como se fosse sua culpa ser mulher,

e sendo mulher, não poder resistir ser abocanhada

sem chance de defesa e com a certeza da condenação pública.

Quem sabe se você não fosse uma mulher branca,

tudo isso não fosse mais fácil,

e se você não fosse tão frágil, talvez fosse menos violada!

Que tal se fosse uma mulher negra, pobre, favelada?

Vala, fala, cala, comum... Corre, se esconde, cale-se ou morre piranha.

Porque não reage?

Estou achando você meio calada, estática, parece passiva demais.

Talvez, se fosse preta, isso parecesse menos cruel aos olhos da sociedade.

Se visse o que vejo! Tantas mulheres vitimizadas

encontradas nuas em uma vala rasa na periferia

estuprada todos os dias, por animais sem identidade,

pelo Estado abusadas a cada instante,

pela falta de atenção do sistema de saúde,

pela falta de escola, vítimas da guerra do tráfico,

da pobreza e da injustiça, oprimidas, cerceadas, emudecidas,

vítimas no supermercado, no salão, na padaria, nas ruas...

Todos os dias, o dia todo, com hora marcada.

Basta sair de casa e a matilha de lobos logo as ataca em manada

e ainda põem a culpa em suas minissaias, em seus shorts curtos,

em suas caras pintadas.

Não sabem eles, que são seus pais os culpados.

O fiu, fiu... Que ela houve sem querer ouvir é tão grave

quanto o ataque físico que ela possa vir a sofrer.

Definir o homem como caçador é colocar a mulher do outro lado,

na condição de caça, e dar ao homem uma autorização para caçá-la.

Vestir o menino de azul e dar-lhe presentes “viris”, de macho,

é por abaixo toda possibilidade de valorizar a mulher,

conscientizando o homem de seu real papel na sociedade,

nas relações de gênero, em seu próprio entendimento acerca de si mesmo.

Depois, não reclamem se ele não aprender a respeitar as mulheres.

Meninas também podem brincar de bola e usar saia ou short curto se quiserem

e saírem na rua no horário que bem entenderem

sem sofrer com o machismo, ou serem atacadas.

Chega desse machismo envenenando as relações de gênero na sociedade,

vai para o inferno com esse discurso vazio de macho alfa.