INSTANTÂNEOS

I

Silêncio afaga os sinos da atenção

na tarde toda angústias, feito o deus

que errasse, aqui, sem tempo ou templo algum,

vertigem só mistério no orbe em fuga.

Cretinos sonham rubro novo outubro --

bem sei quais são seus zelos, sei dos elos

do ser corrente apenas farsa em curso,

recentes num tormento, quando muito.

Ouvidos contra cera, um mal sem cura

enquanto o senso é mudo, beija a pata

do meu silêncio -- nada do que for

humano traz surpresa -- afagos fátuos

na tarde toda fugas, flauta e celos.

Sei bem quem são meus pares, meus agravos

nas vias desse então, no cinza ubíquo.

Retiro o quanto disse em verso livre,

o arroto vil dialeto porco enfermo.

É justo, diga alguém, cortar cabeças,

Há tanto cesto ocioso, meu bom deus!

Ouvidos, digo, orelha -- em grego, otarion --

absorve o fluxo parco dessa voz

que afaga a cera, adaga afeita a treta.

Nem traço metas -- não -- nem trago novas,

previ, no entanto, em canto ao bem-te-vi,

reprises por fratura num futuro

destino em fim de atalho, passo em falso.

II

Delírio e toda sorte de ficção

por mote de vencidos, eis o agora --

o andar à espreita, as deixas mais plausíveis

ou pobres evasivas sugerindo

distâncias erigidas de suspeita

de falhas e falésias orgulhosas,

receios desafiando um front sem brio.

São sempre assim tais presas da paixão?

O empório dos sem tino é previsível

E kitsch do brinde à lágrima de Nietzsche.

"Há pássaros que silenciam mundos

no tempo, nesse tempo solitário

o espanto canta o enredo de perigos

possíveis na estação que avilta as penas."

Em cada queixa a má versão do fado,

o que é perdido em fraca tradução --

A mente estreita oferta revisões,

miragens e delírio, quanta sorte!

Tem sido todo dia a Waterloo

do corso, a "Heróica" ao fundo, definhando,

entrando para a história dos enganos

da estupidez que se acalenta e adora.

O empíreo dos vendidos é vazio

eternidade afora, o tempo jaz

em musgo sobre o mármore e o granito,

a paz de tais silêncios que comovem...

III

Essa pessoa com grades no olhar

Represa como pode seus humores --

Estanca, ou bem que tenta, seus rejeitos,

Esconde o quanto possa no disfarce,

Esse improvável cúmplice vicioso,

Na máscara, em trejeitos e sentenças.

Detalhe em belo entalhe em pinho, o Diabo,

A brisa e o vão dos pensamentos poucos.

Janela que lhe fite um mesmo abismo,

O olhar abrasa o em torno, avaro, místicos

Buracos nessa máscara tão gasta --

Procede a ímpar busca de seus pares.

Esse possível duplo ambicioso,

Relações públicas do próprio engano,

Reduz o mundo a escombros desses danos

Por erros ensaiados à exaustão.

Se no esboço alla prima do que era óbvio

E agora é irredimível faltam sombras,

Deixemos que em miragem seja breve.

Coadjuvante em delírio recorrente

Reprisa as evasivas do ridículo,

Semblante devolvido quase intacto

Ao menos por instantes -- impreciso,

O riso estala, o ruído, um saco de ossos

Levado, ousado número em mau gosto,

Evento pelo qual suporta o enredo.

...

Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 11/05/2019
Reeditado em 13/05/2019
Código do texto: T6644583
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