Canto à Sereia

Uma língua fria se desdobra

Da ânfora que a maré despeja

Qual uma onda que não quebra

Qual uma boca que não beija

Jusante, a maré festeja

Num colar de ondas brancas

Espumantes, cheirando a sal

Sob um Sol corando inveja

Como o sal nas minhas chagas

Ouço o tom do teu cantar

A soprar junto das vagas

A chamar-me junto ao mar

E a catarse do teu canto

Faz das ondas teus cabelos

Faz da chuva o teu pranto

Dos meus sonhos, pesadelos

Que eu seja um marinheiro

A guiar-me por teu norte

E que a fúria de Netuno

Não deságüe na m’a sorte!

E afogado na tua onda

Na tua água em torvelinho

Carregado na vazante

Do teu corpo se abrindo...

... Ancorado em tuas correntes

Absorto em maravilha

Perdido num cais distante

No desvão da tua virilha

Inda hei de brindar a morte

Sorvendo do teu seio

No cálice que fiz da concha

Fazendo de ti consorte

Gargalhando de receio

Ao chocar-me contra a rocha

E... ao me acordar, molhado,

Tendo-te na cama, ao lado

Cansado, qual maré-cheia

Terei, em sonho, realizado

Meu amor por ti... Sereia.

D.S.