POESIA É ÚTERO

Na casa da mãe não há portas ou janelas

mas tem o ardor do teto.

Nela, a palavra nasce sonora

de síncopes de liberdade

fomes variegadas e fugidias luzes

e então renova-se a semente.

A casa da mãe é o osso do afeto

o ovo primitivo, a clara e a gema

e se basta em artérias e veias.

A matriarca é o músculo distenso

também o repouso primitivo

nunca faltam nela a Fé e a Esperança

nascida nas dores do parto

porque é Páscoa todos os dias.

Na casa da mãe bate o compasso

da expectativa do dia seguinte

compassado de luas e esperanças

o poeta mora nela e o sibilar

da palavra é um bruxo morto.

O que vale, em verdade

é o entregar-se ao Outro

e o doar-se aos seus frutos.

A casa da mãe é a caverna dos dias

se nela houver apenas portas

e janelas a luz não entra

porque o lume vem dos olhos, de dentro.

A casa da mãe não pode ter apenas

portas, janelas, porão e sótão

porque o teto nasce longe

no útero das estrelas.

Na casa da mãe é páscoa (rediviva!)

todos os dias o amor renasce

e nela nunca se morre de susto

lá reinam perdões que nunca morrem

e o acalanto se embala nele.

Fora da casa da mãe, longe da carapaça

a Palavra lúcida abre sementeiras à luz

todavia a carcaça é tíbia e tênue

e também comete absurdos.

O que mais vale, em verdade

é a entrega ao famélico semelhante:

saber doar os verdes frutos

que o viver a seu tempo lhes fará maduros.

Para tal plataforma de força

lá fora não há protetivas redomas:

a semente fértil é maturada por incestos e gritos.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2021.

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