A MORTE DO MEDO

Por diversas eu morri:

quando vaguei pelas sarjetas e

acordei sozinho sobre meu vômito

Quando chorei pela morte alheia

dos que se foram repentinamente

- parentes e amigos

Mas, em luto, lutei pela vida.

Ao morrer combatendo o mundo

fui combalido por mim

e o tiro foi certeiro.

O orgulho também me matou.

Coautora do crime,

a vaidade veio me apunhalar.

Posteriormente soube que a luxúria

forneceu-lhes instrumentos

eficazes para meu assassinato.

Novamente em luto,

lutei pela vida.

Tranquei-me no quarto

quebrei os espelhos

desliguei o telefone.

Ninguém podia mesmo ajudar.

Alastrava-se em mim

o veneno da vingança

Planos sombrios eram arquitetados

nos quais meu ódio superava o óbito

daqueles que haviam me dizimado.

Até que, culposamente, me matei,

talvez por acidente,

enquanto saboreava a desforra.

Fui, assim, consumido

pela minha própria cicuta.

Convulsionei meu último suspiro

faleci de olhos abertos

sobre os atos preparatórios.

Então eu lutei contra o luto

e decidi voltar à vida.

No entanto, passei a ter Medo

da morte - da sorte -.

estava cansado de fenecer.

Construí uma armadura

moderna, segura,

costurada com fios de titânio

Nela guardei meus bens preciosos.

Saqueadores não os teriam.

Vacinei-me contra a ira

(primogênita da revanche)

evitei os riscos

mudei de cidade

E, por um tempo,

permaneci incólume.

Chegou, enfim, um desafio!

A essa altura, melhor preparado,

resolvi não o recusar.

Não esqueci das ocasiões

em que me mataram

Meu treinamento, porém,

tinha sido glorioso

estava confiante!

Sabia agora manejar armas:

partir corações,

alvejar sentimentos

torturar esperanças

Eu me blindara

com as decepções

que só as derrotas trazem.

Iniciei firme o combate.

Prudente, sabia o momento

de atacar e defender

O inimigo era astuto

calculava meus movimentos

todas as investidas eram anuladas

O duelo estendeu-se

do sol do meio-dia

até o cair da noite

Exausto, pensamentos

covardes me vieram

Em meio à náusea que

prejudicava minha visão

o suor frio do Medo

passou a prevaricar

minhas pernas

Não podia morrer de novo!

Agora eu tinha muito a perder!

Aproveitando-se de minha recaída

acertou-me o adversário

A dor, sempre solícita,

presenteou-me obscuramente

com as reminiscências de minhas quedas!

Esses antigos fantasmas

causaram-me neurastenia

E a simples probabilidade

do insucesso na batalha

Paralisou-me.

Fui levado assim,

outra vez,

Ao finamento.

Eu poderia ter ganhado!...

Poderia, sim...

As chances eram reais

Não fosse o Medo,

carrasco dos sonhos,

Não fosse o receio,

aniquilador da persistência

Eu feri a mim!

Não foi o rival

Eu matei a mim

quando deixei de acreditar.

Renasci!

Com ataduras e cicatrizes

algumas doações de sangue...

Estou velho e menos bonito

E ainda morro...

De amor, de saudade...

Mas o medo,

Este não me vence mais.

Elmer Giuliano
Enviado por Elmer Giuliano em 28/03/2019
Reeditado em 19/01/2023
Código do texto: T6609949
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