CARTA À POESIA DECÍDUA
Vi que você caminhava ao longe
Algo com tanto cuidado
Como quem volta extasiado
Ao destino fixo e desconhecido
Cansado dos verões.
Suava frio , eu sei,
Porque toda temperatura
Que vem de dentro
É efusão das nossas razões amedrontadas.
Na pele trazia digitais irreconhecíveis
Essas que o tempo só finge apagar.
Vinha das flores agitadas
Das primaveras equivocadas mas cheirosas
A exalar o perfume de cada uma delas
Dissipados nas histórias seladas em sépalas.
Algo como se chegar dum tempo
Fechado em rasas copas...
Vi que você vinha de longe
Para o seu novo lugar de sempre
Dentre as folhas nunca decíduas
Embora caídas na tardes já idas
A entremear a tela
Que tinge os horizontes dos céus
Pelo lusco-fusco dum sol que já fora tão alto!
Agora a caminhar devagarzinho
Para o descanso dos mistérios.
Pela atmosfera
Respiro seu algo que sequer a poesia
Saberia decifrar.
Talvez,
Seja um armistício do tempo corrido
Um remanso da vida que corre cansada
Pelas plataformas agitadas,
Só para se resfolegar (numa atitude de rara bondade)
Os ares da ilusão de voltar
No ciclo de renovação do mesmo,
Sempre diferente
Sempre sem se saber quando.
O pássaro já é outro…ouçam!
Esse aí, tão suavemente...
O mesmo.
Que todas as manhãs outonais
Me canta
E me encanta
Na voz rouca dum seu igual que retorna
Sem ficar.
Apenas um outro ingênuo
A acreditar que voltou
Já a anunciar a própria partida
Pela tão rápida passagem das estações.
E você Outono?
Meu amigo do peito
Que nem acabou de chegar…
Vindo lá de não sei onde,
Já chega reacendendo as horas,
A tingir de poesia terracota
Toda a mansidão temerosa
Toda essa quietude das folhas que caem
Recém-chegadas dum silêncio "mandatório"…
A farfalhar o todo de destino indefinido.
De novo,
Um sabiá me gorjeia em eco
Alheio ao tudo que sinto,
Com se nada houvesse saído do lugar…