NOSTALGIA E SAUDADE
Nostalgia é perigo eminente para o espírito alerta,
vem na calmaria do impiedoso furacão
a espera que se curte respirando lentamente.
Saudade guarda o inteiro do vivido
na superfície riscada dos sentidos.
Por precaução recolhe e estima
o verniz acordo de preservação.
Nostalgia é um quase suspenso no ar,
o pior entretenimento.
Prima do ressentimento,
mina a força e duplica a perseverança.
Saudade é aroma, cor e número,
latitude e longitude, uma previsão do tempo,
pancadas de chuva, fim do horário de verão
a sensação térmica de um instante.
Quando a nostalgia constrói perturba
porque a ilusão é bem-vinda,
causa prazer doendo devagar
como a faca ainda no lugar em que foi cravada.
É das habilidades da saudade agregar valor
e animar o coração triste,
livra da culpa quem se arrepende,
encurta distância movendo o intransponível.
O coração nostálgico bate na falha,
flutua surdo, não convém falar nada.
Diz quem ama que a saudade aproxima
amantes amargurados pela dúvida.
Nostalgia é irmã invejosa da saudade,
abraço de medusa, salmo na voz de seria.
A língua muda da Hidra, a mão de Midas,
torpor na fogueira, nostalgia é vaidade.
Saudade é promessa de continuação,
propõe desfechos transitórios
(enquanto sinto ainda posso,
agir não convém senão por conveniência
e rima)
Nostalgia é resposta ao convite
do silêncio no mausoléu,
nasce borrada disforme
no desvão das impressões
e cresce daninha até a foz da razão.
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Baltazar Gonçalves