NOSTALGIA E SAUDADE

Nostalgia é perigo eminente para o espírito alerta,

vem na calmaria do impiedoso furacão

a espera que se curte respirando lentamente.

Saudade guarda o inteiro do vivido

na superfície riscada dos sentidos.

Por precaução recolhe e estima

o verniz acordo de preservação.

Nostalgia é um quase suspenso no ar,

o pior entretenimento.

Prima do ressentimento,

mina a força e duplica a perseverança.

Saudade é aroma, cor e número,

latitude e longitude, uma previsão do tempo,

pancadas de chuva, fim do horário de verão

a sensação térmica de um instante.

Quando a nostalgia constrói perturba

porque a ilusão é bem-vinda,

causa prazer doendo devagar

como a faca ainda no lugar em que foi cravada.

É das habilidades da saudade agregar valor

e animar o coração triste,

livra da culpa quem se arrepende,

encurta distância movendo o intransponível.

O coração nostálgico bate na falha,

flutua surdo, não convém falar nada.

Diz quem ama que a saudade aproxima

amantes amargurados pela dúvida.

Nostalgia é irmã invejosa da saudade,

abraço de medusa, salmo na voz de seria.

A língua muda da Hidra, a mão de Midas,

torpor na fogueira, nostalgia é vaidade.

Saudade é promessa de continuação,

propõe desfechos transitórios

(enquanto sinto ainda posso,

agir não convém senão por conveniência

e rima)

Nostalgia é resposta ao convite

do silêncio no mausoléu,

nasce borrada disforme

no desvão das impressões

e cresce daninha até a foz da razão.

*

*

Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 14/03/2019
Código do texto: T6597884
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.