Labora et labora
Quando partes ao trabalho
e em casa fico, amada minha,
dá-me tristeza de dias frios,
e se os são, dá-me lamento das coisas não feitas.
Não és tu que me irritas,
é a vida feita da vida por essa busca doentia
do lucro e do acúmulo,
esse frenético movimento que nos faz dependentes
do enriquecer de outros.
E nem é o teu patrão que culpo, pois é ele servo de outro
que também a outro se vende, mercadoria que é, como somos todos.
E dá-me angústia ter de interromper tantos fatos em curso,
adiar tantos planos: o filme que veríamos, a pipoca de acompanhante,
o passeio e a praça, o sanduíche e a fumaça
de nossa respiração no ar de inverno.
E desejo, em vão, a prolongação dos
momentos fugidios: o sono da tarde,
a manhã de ouvir música,
a noite de abraço silencioso
no sofá.
Que martírio deixar para depois
tantos momentos!
E que arrepio se então penso na hipótese
de morrer antes de vivê-los...
Parte, Amanda minha.
Trabalha.
Amanhã, quando chegares, serei eu a partir.
É o que podemos fazer agora.
Aquele filme, aquela pipoca, aquele passeio,
os cinco minutos juntos que sejam,
ficam pro devir de outros tempos.