Labora et labora

Quando partes ao trabalho

e em casa fico, amada minha,

dá-me tristeza de dias frios,

e se os são, dá-me lamento das coisas não feitas.

Não és tu que me irritas,

é a vida feita da vida por essa busca doentia

do lucro e do acúmulo,

esse frenético movimento que nos faz dependentes

do enriquecer de outros.

E nem é o teu patrão que culpo, pois é ele servo de outro

que também a outro se vende, mercadoria que é, como somos todos.

E dá-me angústia ter de interromper tantos fatos em curso,

adiar tantos planos: o filme que veríamos, a pipoca de acompanhante,

o passeio e a praça, o sanduíche e a fumaça

de nossa respiração no ar de inverno.

E desejo, em vão, a prolongação dos

momentos fugidios: o sono da tarde,

a manhã de ouvir música,

a noite de abraço silencioso

no sofá.

Que martírio deixar para depois

tantos momentos!

E que arrepio se então penso na hipótese

de morrer antes de vivê-los...

Parte, Amanda minha.

Trabalha.

Amanhã, quando chegares, serei eu a partir.

É o que podemos fazer agora.

Aquele filme, aquela pipoca, aquele passeio,

os cinco minutos juntos que sejam,

ficam pro devir de outros tempos.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 09/03/2019
Código do texto: T6593995
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