Salve a sua bunda
Eu estava quase dormindo
quando ela chegou batendo na porta
de madrugada.
Bêbada, as pupilas dilatadas
não conseguia controlar as palavras.
Me pediu o dinheiro do táxi
e assim que entrou
disparou a sua dor pela minha sala.
Lamentava por estar respirando,
por não ter sido abortada
apesar das tentativas infrutíferas
da sua mãe que agora a tratava com indiferença.
Chorava por não ser alguém “normal”,
por ser alguém que não consegue orgulhar os parentes
os amigos e nem a si mesmo…
Abro uma vodka e nos sirvo umas doses.
Eu escuto tudo o que aquela triste boca vermelha tem a cuspir e calo.
Não sei como agir,
não sei o que lhe dizer.
Nada que eu fale irá amenizar a sua crise.
Eu mesmo estou no meio de uma
e não faço a mínima ideia
de como cair fora dela.
Tento apenas não importunar ninguém.
Tento me apegar a coisas
que não possuem valor material.
Pequenas manias, tiques nervosos.
Tento me apegar a vícios,
saudáveis ou destrutivos, tanto faz,
eles me fazem ter metas
e metas por piores que sejam
são motivos para continuar apostando.
Tento andar reto
nessa linha tênue
que é continuar.
“Se você está viva após tudo o que passou - eu finalmente lhe digo -
deveria focar em uma maneira
de continuar confrontando o universo.
A existência de seres como nós
é uma ferida aberta no estômago
de Deus.
Eu também quase fui abortado, como você,
ELE sabe disso, mas ELE ainda não sabe o que fazer conosco.”
Me aproximo mais dela.
Está se acalmando aos poucos.
Sinto o seu perfume misturado com álcool e nicotina
então, beijo o seu pescoço lentamente.
Ela não está mais chorando e nem demonstra surpresa.
“ O Problema não é o fato de terem
tentado nos matar e ainda assim nos odiarem - eu continuo falando, enquanto minha mão alcança sua bunda por baixo do vestido preto -
o problema é termos a raiva mas não a habilidade
para viver depois disso.”