poema da demora
não, não era desse lado que as palavras falavam,
não era desse despenhadeiro feito de longas esperas
não era dessa parede trincada que à vida resiste,
não era de abismos, escuros, escarros e trevosas
esferas de trapaças,
nasceu um rebento que chora nas trincheiras
dos meses sem nome, dos rostos que não enxergam
era mais um soldado feito de carne
e tristeza, foi com ele e não outro que o mundo girou
sobre a pele do seu coração,
o levava por entre as raízes de ferro e águas escuras,
face mascada de carvão, sem garfo ou faca, sem prato, apenas o chão como sua jangada,
aprendeu sobre o balanço do mar, desceu rios que dormem
ao meio dia, sequer um troco pra tomar água doce,
de raiva, o poema se arrasta como pode, fraco, limpo de endereços ou lembranças, agarra um ramo de folhagem á beira da margem, segura, imprime em si uma vontade nova, com sangue escorrendo pelos poros
se inscreve e escreve numa ilha de aço e silêncio: sou poema, nasço me
escrevendo, nada é, salvo o vácuo de mim mesmo, labuto á procura
de palavras que dançam à espera: em algum momento, serei pura
existência, luz e serei tantos quantos os que me visitarem