DOS SONHOS EM ALTEAMENTO A MONTANTE
Ah, se eu soubesse…existir.
Era madrugada ainda
E eu só a forçar meus olhos
Vindos do sonhos do ontem,
Aonde, ali,
Eu ainda não sabia de nada.
Acordei no meu silêncio, auscultei o entorno,
Toquei o chão devagar
E apenas ouvi um cachorro latir.
Ele latia com tanta precisão dos sentidos
Que me botou a pensar:
"saber deve doer".
Latia com convicção
Como quem sabe o que quer dizer.
Será que queria me gritar alguma coisa?
Um estranho a roubar os sonhos,
A invadir as prioridades inadiáveis,
Um portão da esperança sendo arrombado,
Será?
Ou um explícito vilipêndio à fé que ainda insiste?
Talvez latisse por um míssel colocado no portão
Bem em frente ao jardim de anos a fio
Adubado sol -a- sol,
Pelo alteamento a montante das horas
Vidas!
A esperar
Pelo milagre dum renascer da terra abatida.
Ele latia com tanta determinação
Que até pensei que uma flor alvejada
Lhe pedia por socorro existencial.
Algo como se rebrotar em solo minado
Dentro do improvável de sempre.
Ele esbravejava sem resposta alguma
A ofuscar o débil e hercúleo canto dum pardal
Que parecia sobrevoar a esmo,
Sem rumo, pela sucessão de ninhos alvejados.
Aos poucos o bravo latido sumia...
Pediria por socorro a si mesmo?
Ah, se o passarinho soubesse a tempo…
De também latir seu pio forte
Tal qual um Homem igualmente afásico
Que de repente reaprende
A defender seu território interior.
E todo o demais dos entornos gritantes
De macabras cenas de destruição
Só seriam como filme de ficção,
Daqueles que a gente vê e alivia a si mesmo
“Ainda bem que tudo isso é só ilusão”.
Enfim, o cão sossegou.
Pensei mais uma vez:
"Ninguém consegue nada gritando sozinho".
Quando acordei…de nada disso eu sabia.
Ah, se eu também soubesse…
Acordar, latir e desistir na hora certa, como ele.
A tempo de
Ao menos decantar toda a racionalidade imbecil
Que encanta o bicho Homem
E o faz perene alvo de si mesmo.
Se eu soubesse…sei que mesmo assim
Ainda optaria por se irracional.
Racionalidade cria vínculos irracionais.
É que,agora eu sei:
Sendo racionalmente Homem,
Não me daria sequer ao nobre trabalho de latir.
Quiçá um jeito morno…
Confortável e desculpável
De nunca se saber de nada
De nunca precisar discernir.
No humano modo racional,
O jeito mais animalesco de se inexistir:
Altear sonhos a montante
Para se soterrar, a jusante
Toda a inexistência da vida combalida.
Sucumbido o cão
Todos os demais gemidos
Seriam inaudíveis.
Só renderiam sucessivos "Oscars" de poesia
Nas telas cada vez mais surreais
De toda a patética tragédia Humana.