MEU GUERREIRO FUJÃO
Dentro de mim mora um guerreiro que pouco conheço.
Vive calado no seu canto sem cumprimentar ninguém.
Tem sangue valente, coração de batidas decididas, alma
tão grande como tudo junto.
Quando minha represa estoura, quando meu chão encarde,
quando meu vento fagulha, ele acorda.E me acode.
Assume as rédeas dos meus olhos, os galopes trêmulos
dos meus passos, os gostos esdrúxulos da minha razão.
Então o que se dizia água parada, ressurge.
O que se fazia fundo perdido, berra.
O que parecia fim, começa.
Esse guerreiro por vezes abandona o posto.
Some de mim sem deixar cheiros, nem pegadas.
Fica desse jeito por tempos infinitos, todos tempos.
Daí fico desnudo, atônito, falta de ar,
falta de onde me escorar, me ater, me fundir.
Xingo o guerreiro fujão com todos meus poros,
maldito, desgraçado, desnaturado, desumano guerreiro,
guerreiro de dentro de mim que escapuliu.
Vou à cata dele pelos quatro cantos do mundo e nada.
Espalho meus desesperos atrás do anjo salvador,
do fiel escudeiro de sempre. Nada dele.
Então só me resta chorar. E bota chorar nisso.
Choro até tudo querer me poupar,
que triste jeito de ser, pobre de mim.
Então ele reaparece, o sumido dá as caras.
Aquele guerreiro retoma seu posto e
as coisas se ajeitam, o rei está de novo no trono.
Ufa!
Daí me dou conta que aquela muleta, aquele remédio,
aquele amparo tão imprescindível,
sou eu mesmo. Sempre fui e sempre serei.
Fingia-me fraco, manco, depauperado,
só pra alimentar uma farsa que eu mesmo
costurei, que eu mesmo fiz nascer e crescer.
Dentro de mim nunca morou guerreiro nenhum.
Eu sou o guerreiro, sempre fui e sempre serei.