Areal

Fere-me, em castelos memoriais,

Ver-te presa, inacessível.

Cercada por boas memórias,

Uma dor me cresce n’alma,

Como se um punhal transpassasse,

De lado a lado, o meu maldito ser.

Lembro de tudo:

Tua mão, tua pele, e teu cheiro.

Ainda tinhas tão grande espírito,

Que me esmagava deliciosamente

Com a delicadeza de tuas palavras.

A memória de ti ao meu lado,

Hoje, é minha pior inimiga.

Regozijo por ter vivido aqueles tempos contigo

E morro por ter de vê-los tão distantes.

Em teu colo, colhi doces frutos,

Os quais quis inesgotáveis.

Mas pequei, sou um pecador imundo,

Maculado e perdido em vasto mundo.

As néscias palavras tornaram real a desgraça,

Foram elas – palavras concretas –

Que sopraram, como forte vento, a vela de tua nau.

Estou inebriado por uma poção e tu afastas-me,

Um circundante areal é tudo que tenho a vista.

Tu ganhaste o oceano, eu, aqui, cravado,

Estou cercado de seco sertão.

Às veredas verdes não mais retornarei.

O que parecia eternamente comunhão

Desfez-se por minha boca vã.

Ando de lado, pois muito me pesa sua ausência,

Queria o Estige, água do esquecimento,

Desejo ancorar em teu cais novamente.

Nada importa mais, tu anulaste-me:

Nada sou para ti; nada sentes por mim.

Desejo a morte; mas não a enfrento

Por covardia, fui covarde e sou covarde.

Pensei poder refugiar-me em seio ancestral,

Fugi, por medo e covardia, para aquele areal,

Perdi a ti e aos nossos sonhos, perdi a mim

Que, sob o quente sol, sega-se e nada mais vê.

Terei de viver sempre seco e com sede,

Impossível beber tuas águas,

Vou deitar no meu areal e queimar-me,

Esperando o dia que só a tristeza dele

Me traga a alegria da lembrança

Do que fui e nunca mais serei.