FAÇAM SUAS APOSTAS, SENHORES.
Aposte todas fichas num sonho, num encardido, num voo.
Para se redescobrir feto recém ungido, com tudo a ter, a ser.
Nesse gosto se esbaldar, ficando bem longe do êxtase,
do baixar das cortinas, do cheiro esquecido.
Aposte seu coração numa palavra, num arremate,
num porto.
Para se redescobrir como Deus na estreia,
escancarando a voz até então seca, desnorteada.
Nesse gosto se ter do avesso, de ponta-cabeça,
sem maquiagem nem desculpa qualquer.
Aposte sua fé num descampado, numa gangorra vazia,
num pedaço de pão.
Para se redescobrir em versos, enlouquecido,
despetalado na alma, no saber, no conceder,
acenando pra si mesmo de onde estiver.
Aposte seu perdão num gole acetinado de paixão.
feito ermitão que mal sabe engatinhar,
feito navio-cargueiro voltando pra casa de missão cumprida,
acalmando seus ritos com o tridente da razão.
Aposte seus dons numa farsa dantesca, sisuda,
daquelas que fantasiamos entre um gozo e outro,
e seja perpétuo nas escamas encardidas do medo,
se embalando numa rede que nunca se cansa de sorrir.
Aposte suas cicatrizes numa cachoeira maravilhosa,
como aquelas que sempre quis arrebanhar, em vão,
mas que nunca se fartou de aguardar a vinda do vento,
o mesmo vento que já sacudiu seus suores tardios,
o mesmo vento que esqueceu seus roteiros farsantes,
e que agora, no alambrado mais querido, se faz aqui.