TENDO OUVIDOS, OUVI.
A paz é uma poltrona branca e macia
Em que repousa quem a buscou dias e noites após a tempestade.
Raios e trovões, espadas e lanças desleais caíam à esquerda e à direita,
Não se buscava castelos de falsos reis, tampouco palácios com telhados de vidro.
Buscava-se o valor da palavra, da verdade e dos sentimentos,
Buscava-se apenas uma branca poltrona, onde repousassem a paz e a dignidade feridas.
Trinta sóis e trinta luas conduziram-me por outro caminhos.
Trinta auroras e trinta ocasos frutificaram e acalmaram vendavais,
Mostraram em que troncos de árvore deveria ser ancorado o coração.
Escolhida a melhor direção, em nenhum instante houve vacilo,
Onde há verdade, há vida. Vida em abundância,
A certeza mostra a verdejante sombra após o sol escaldante.
Trinta sóis e trinta luas iluminaram caminhos escurecidos,
Espelharam o reflexo das últimas sementes da Parábola do Semeador,
As últimas, aquelas que caíram em solo fértil. Tendo ouvidos, ouvi.
Tentei que meu coração fosse chão produtivo,
Que os frutos das boas sementes em canteiro receptivo
Caíssem, germinassem e alimentassem-nos as almas feridas.
Produziram a cem por um, na força do grão de mostarda,
Muito além das outras hortaliças, cresceu e alimentou.
Durante trintas dias naveguei em outros rios,
Por vezes caminhei em verdes colinas,
Em outras cortei-me nos fios das rochas,
Muitas lâminas riscaram-me a pele da alma, sangraram-me o corpo.
Conheci o perigo das correntezas em gargantas estreitas,
E a placidez dos lagos sob agressivas cascatas, entretanto.
Meu timoneiro ensinou-me sobre as muitas águas da vida
E que muitas vezes seria melhor largar o barco e ir por terra firme.
Arderam-me os olhos sob suja poeira, e meu instrutor insistiu.
Mostrou-me placidez e transparência de águas claras como fino cristal,
Águas suaves como as de rosas brancas, que me curassem os olhos.
Sabedora da pura fonte, tive sede e lancei-me a remo,
Ganhei forças nos braços e na mente, acreditei, agradeci.
Saciei minha sede e de quem me acompanhava.
Trago o coração leve ao beber da boa fonte,
Tivemos ouvidos para ouvir e olhos para enxergar.
Ouvi e fui ouvida.
Dalva Molina Mansano
31.01.2019