Violino

As cordas tensas do violino

me prenderam a essa dicotomia

entre a dureza de suas cordas tesas

e a leveza de sua melodia

Assim, à noite, faz-se minha poesia

De escrita in-tensa, teço minha teia

na trama que desaparece ao dia

aos olhos lânguidos de quem leia

Leigo ou douto em linguagens,

as imagens que lhe trago à mente

trafegam como vãs miragens

memórias vívidas do inexistente

E, apesar da ferida mortal,

que no seu riscar se cura,

o violino baila abraçado

ao poeta de arco armado

que da corda tensa

e da madeira dura

extrai doce melodia,

de matéria, pura

Pura, a música flutua -

a brotar de cordas tensas -

em profundidade e profusão

no vácuo da atenção que me dispensas

atando-me em arco à solidão

E a tensão do arco me recorda

a primeira vez que te abracei

a tocar-te com cautela de menino

como um arco teso a tocar

as cordas pulsantes do violino

E as linhas ondulantes de teus cabelos

mareavam-me em sua leveza e liberdade

contendo em si ocultos pesadelos

nos fios soltos de meus pensamentos

enfeixados num violino de saudade

O violino fez de minhas mãos fortes e

educou o toque delicado de meus dedos.

A volúpia de suas formas me ensinaram a

tocar-te, meu amor.

Mas o bailar contigo, o carinho em teus cabelos e o

toque de tua pele, tudo ficou na memória de meus

dedos, que se deliciam na tua lembrança enquanto

portam o instrumento... e deliram. E meus sonhos

entrelaçam-se a suas cordas flexionando-as na melodia

que somente eu ouço. E as extensas notas agudas a me

fazerem chorar, às vezes... Mas quando, do recordar da

perdida harmonia acordo, desperto para a caixa de

madeira, que ora porto em meus braços, onde outrora

costumavas repousar.

Mas a dor que sinto não é má, pois é a essência de minha

arte, a extrair melodia do que é duro, a trazer calor ao que

já é frio, a pescar a dor que flui na água enquanto rio.

Mas, mesmo se choro, não importa, pois recebo alegre

minha melodia triste, pois, se te perdi um dia, triste

mais seria, se perdesse tua doce lembrança e, com ela, a melodia.

E assim como a solidão, que brota da tensa harmonia

mortal entre masculino e feminino. Assim também, o que importa é a melodia, imortal, que desabrocha do tenso amor do arco com as cordas... do violino.

D.S.