Nada mais urra, nem esmurra
A morte é criatura egoísta, não dá brecha pra contestar,
fugir, escamotear, subornar.
Sua voz ensurdece roteiros, esmurra sonhos, estraçalha
o que se dizia certo, o que se fazia florescer.
A morte não faz gentileza, entra sem ser convidada
e fica estancada lesando o tempo.
Enquanto encerra seu show, decretando sórdido fim,
puxa pelo braço alguns ventos roucos e mambembes.
Enquanto sentencia passos ávidos de vida,
traz à tona a absolvição eterna,
num coração empacado que nada mais respinga,
nada mais urra, nem esmurra.
Hoje vejo a morte mais nua,
com menos vértebras, come menos dor.
Hoje ecoo dentro de mim a morte
num descampado poente,
no qual perfazem ritos enferrujados,
grunhidos esquisitos, pálidos gestos de aplausos,
de adeus.
Dessa morte convicta, insolente, obturo meus
reis, arreios e infames aterros.
Agora tenho essa morte menos aflita,
menos sagaz, menos traíra, menos minha.
Então, insepulto, vou à forra numa folia
de zumbi que tanto quis domar.
E não consegui, só lhe fazendo morrer.