EMUDECIMENTO
os helicópteros desfilam no céu
aqui embaixo tudo é rotina: a feira
o pagamento no débito, o sol quente
a fila no caixa do supermercado
e o medo: sobretudo o medo
medo de quê? talvez de não se sentir
à vontade em não ter medo
paro no parapeito, olho pro céu
carregado de nuvens cinzas de verão
de pipas coloridas desfilando no vento
de helicópteros e seus roncos potentes
e fuzis que me miram friamente
olho pra esse céu e pergunto num sussurro
o que é isso, meu deus?
por que não consigo sequer escrever um poema?
e o céu, esse paraíso impassível
fecha-se e chora
essa água que não lava a alma
essa lava que lava meu rosto
inundando meu choro
a cara marruda do céu
escancara
a milícia que não deixa
essa meditação chegar às nuvens
- tapetes da casa de deus