Letícia Setubal Damasceno

Ah, se minhas letras tivessem cor!

A cor dos meus desejos, das impulsões.

Tivessem a cor dos dedos, e apontassem a direção dos meus segredos.

E te mostrassem a direção dos meus braços, das minhas pernas.

Das minhas pernas paradas nas esquinas.

Que me levam para duas direções

- vou para onde primeiro me puxarem -

E se elas tivessem voz...

A voz de gritar

Alto

Máscula

Áspera

Rouca

A máxima expressão de minhas paixões

A dor máxima do frio das esquinas

Dos meninos das meninas

O máximo frio dos velhos lençóis e colchões

Se elas tivessem o cheiro azul das camas dos hospitais

O gosto cinza das guias das avenidas

Os sons amarelos das alamedas aformigadas

O toque branco, fosco, da luz espelhada no chão noturno.

E se ainda, e por último, por enquanto

Tivessem calor!

O abraço brando eriçando os pelos!

Ai, os pêlos! Hum, os pêlos!

E a maciez das madeixas me cobrindo o corpo

Tapando-me o sofrimento

Preenchendo-me o vazio

Por fora e por dentro

Ao menos neste momento.

Enquanto o sangue corre firme

O braço e o coração pesam

Os olhares aqui, porém lá, que lesam

Violentos são.

Duros, macios, viscosos, entre duas abas

Escorrendo língua abaixo

Percebo que minhas letras não podem falar

(mas se pudessem)

Eu não voltaria para a febre escura

Das escadas dos apartamentos...

Isabelle La Fleur
Enviado por Isabelle La Fleur em 17/09/2007
Reeditado em 10/10/2016
Código do texto: T655952
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