RECADO

quando eu for pintem a casa

troquem os móveis

lavem as lembranças

queimem roupas e sapatos

bolsas e outros apetrechos

não deixem pedra sobre pedra

sequer um fio de cabelo

esterilizem o ar que respirei

despetalem as flores

quebrem os copos nos quais a minha boca pousou

joguem no lixo os restos de sabonete

derramem os frascos de perfume

rasguem os livros e zombem dos poemas

quebrem os pratos

mudem de endereço

não me levem no peito

nem na mente

jamais olhem para trás

nem ouçam meus passos na escada

lancem no oceano as fotos

sintam o calor do sol

a juventude das nuvens

o torpor da música

o abraço acolhedor das árvores

a resposta do silêncio