AD NAUSEAM

no fim da tarde o comerciante

recolhe o lixo acumulado.

depois de arrumá-lo junto ao portão

ele olha de lado sem desconfiar

de nada, estica os braços e passa

a mão sobre a dor imaginária

junto à lombar

franze a testa, não sabe se pela dor ou

de desgosto

quantos lixos acumulou e

nunca jogou fora? quais?

quantos presentes vendeu? quantos deu?

quais recebeu?

ao cair da tarde, o homem

sob a luz laranja, pálida e encardida

se desfaz de bens que alguém

revolverá daqui a pouco

ambos sem desconfiar que eu os furto

roubo suas agruras, valores

para esse poema cabisbaixo

(poemanenhum poemanada antipoema nãopoema)

poema desconfiado de que

somos luxo: todo luxo é descartável

alguns - bem poucos! -, recicláveis