A OUTRA

a outra

no espelho

não sou eu

ela vive nua

cara lavada

alma escancarada

não tem

a menor vergonha

de dizer tudo

querer tudo

fazer tudo

canta alto

desafinado

chora

soluçando

acorda

de cara inchada

com as marquinhas

da fronha

no rosto

com as dobrinhas

do lençol

espalhadas

pelo corpo

de quando em quando

ela ri

gargalha

vendo filme mudo

pinga o jornal

de lágrima

lendo seu cronista preferido

não tem

a menor vergonha

nunca nega

um carinho

deixa que todos

a toquem

levem

abracem

beijem

não tem

a menor vergonha

por isso

a beijo na boca

todas as manhãs

todas as noites

ela não tem vergonha

ninguém a vê mesmo