TODOS NASCEM ANJOS

Esse ser humano, criatura sem par,

capaz de destroçar e abençoar com a mesma mão,

com a mesma alma.

Todos nascem iguais, envoltos numa placenta,

recebendo seus respiros de vida só

pelo cordão umbilical.

Todos nascem anjos, todos nascem frutos

de Deus, todos nascem imaturos, imberbes,

incapaz de dar um passo sequer.

Todos nascem sem saber discernir o certo do

errado. o justo do injusto, o melhor caminho

da cilada fatal.

Todos nascem sem conhecer a traição, a falsidade,

o fracasso, o medo, as faíscas do ódio,

o grito arrebatador da liberdade,

as lascas alvoroçadas da paixão.

Daí começam a desmembrar seu trajeto,

fazer suas escolhas, experimentar as faces

pouco solúveis do desdém.

Daí começam a dedilhar os vãos do desprezo,

as sombras arestadas da vingança,

os véus encardidos da solidão.

Daí, aquelas criaturas, originalmente

perfeitas nas engrenagens mais roucas,

originalmente belas nos rincões mais

endiabrados de sua alma,

cairão em si.

Vão descobrir que todo aquele encanto

encobria um bolor esquisito, atroz.

Vão ter que digerir, a duras penas,

um insosso legado que a humanidade

lhes impôs - o preço da vida.

Então só lhes restará abandonar sua

casca e pisar firme na construção da

própria história, enredo sem

ensaio, sem plateia, sem repeteco.

E assim, placidamente, vão tocar seu

barco até que venha a encalhar num

trêmulo, incrédulo e fugaz desfecho.

Corta a cena e desce o pano.

É o fim. Adeus.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 19/01/2019
Reeditado em 19/01/2019
Código do texto: T6554811
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