O Cego e As Moedas
Num tempo que apenas guardei
ele estava lá...
Sua visão aparece nitidamente
ante meus olhos
como se fosse ontem...
Eu era um menino
isso eu tenho certeza
e a distância de casa
até onde ia comprar pão
me parecia a eternidade.
Não vou dizer que gostava muito,
não haviam muitas novidades pelo caminho,
quando muito algum morador
que nem mais lembro...
O pão (apesar de gostar bastante de pão)
não era dos melhores,
já estava frio no cesto,
não era daqueles bem quentes de padaria.
Mas gostava de ir sim...
O troco (umas poucas moedas)
poderiam ficar comigo,
mas nunca ficavam.
Eu ficava feliz com o que eu fazia:
- Vô, um trocadinho pro senhor...
E ele sempre respondia do mesmo jeito:
- Obrigado. Deus te abençoe...
E sorria, olhando um céu
que não podia ver com seus olhos brancos.
Uma coisa não pude entender,
mas que hoje, mesmo assim,
posso até compreender.
Era um senhor cego, muito idoso,
que morava sozinho naquele barraco,
no meio da vegetação do quintal dos Fidélis,
um negro de carapinha branca,
fizesse frio ou calor,
com roupas abafadas e pretas,
o dia todo sentado na esquina,
de mão estendida pedindo sua esmola.
Nunca o vi triste,
sempre com o mesmo sorriso,
como poucos que encontrei
em minhas muitas andanças.
Seria feliz?
Onde estará sua alma?
Deve estar num lugar bem bonito,
com os seus olhos agora enxergando,
brincando com alguns anjinhos peraltas
que ele deve chamar de meus netos.
Enquanto eu, aquele menino que envelheceu,
continua triste e chorando
por todas as coisas más
que acabou vendo por aí...
(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram" de autoria de Carlinhos de Almeida).