Tecelão
Sou um pouco poeta
Pouco de mim que sou que crio
'inda mais, e nunca obstante de Ser em se existir isento de deveres.
Sou parasita de som e de vento
De sutis sentires e aqueles ora ferozes e que ruminam um pedaço mesmo de pele até abrir a soturna profunda e cruenta ferida que se jamais cala.
Sou silente trovador só
Eternamente sentado na beira do rio que carrega navios e catamarãs e pés de pluma e veludo que mergulham a superfície rija do isente chão.
Hoje escrevo um poema
Amanhã descasco batatas que jamais irei cozer mas quem sabe trançar seus fios louros no deserto da alma que repousa solitária no berço de si.
Amanhã escrevo um poema
Depois de amanhã
Talvez repouse trançando aquele travesseiro de pedra.
(Alegro-me por deitar o occipício na pedra que é pedra. Que não é poema ou batata ou poeta ou rio que me navega e afoga a nau que segura os pés da mente arredia que observo cavalgar o purpúreo mar do que não vejo. A pedra é dura. Nada além disso. Alegro-me por sentir a solidez que me atravessa e que me não gera nenhuma lágrima de aversão ou labareda de melancolia.
A pedra é dura. Sinto sua dureza.
A dureza me basta. Esclarece-me com perfeição a realidade da existência.
A pedra é dura. Atravessa-me.
A travessia da pedra me não define.)
Hoje escrevo um poema. Amanhã salvo uma vida.
Não escrevo poemas.
Os poemas é que escrevem a si mesmos e decidem atravessar-me.
Não salvo vidas.
As vidas é que se não decidem encerrar-se no momento em que me atravessam.
Não sou poeta, nem trovador, nem barqueiro, nem parasita, nem salvador.
Não crio. Não trago. Não mudo.
Absorvo um profundo trago do cigarro inexistente. Observo a inscrição sumária de toda a metafísica que já foi pensada.
Ela se dissolve no eterno véu [que tudo cinge] da impermanência.
Isso me alegra de forma genuína.
Não sou nada do que sou.
Apenas observo.