SOMOS TODOS REFÉNS

Alguém gritou por liberdade.

Bobagem!

Somos todos reféns.

Em súmula maior

O Homem é refém do Homem

Porque já foi dito

Ser ele lobo de si mesmo.

O dia é refém da noite,

As trevas são reféns da luz!

A fé é refém da esperança

E vice-versa.

O cientista é refém das evidências

Que são reféns do fato.

O fato é refém do ensaio

E o ensaio é refém do improvável,

Do todo imutável mutante.

Todos os átomos são zombeteiros

Como o todo,

Cegos reféns da sua órbita quântica

Nunca quantificada na essência real.

O verso é refém da angústia

E a angústia é presa

Da inquietação que voa alto.

As asas são reféns do fôlego

E o fôlego é só um sopro de piedade

Na miragem de se ser livre.

Toda a palavra é refém do vento,

Ainda que grafada nas tábuas da Lei.

Porque as tábuas são reféns perenes

Das erosões do esquecimento negligente.

Assim,

Nenhum verso se solta livremente

Na ilegitimidade presa

Numa poesia anárquica.

O intelectual é refém da sua verdade

A que nunca é de todos

Porque tende a querê-la só para si.

Como um caçador que a imobiliza

Numa rede de frágeis borboletas abatidas.

Ninguém é livre

No egoísmo que enreda a alma solta.

A verdade sempre é refém da mentira

Mas a mentira é refém do imutável.

O amor é refém do ódio

E quando for prisão...dizem não ser amor.

É que ambos se tangenciam quando encarcerados.

O valores são reféns do espaço

E o espaço é a abstração do intangível

Refletida no nada.

A arrogância é refém da auto- piedade,

Das tantas ocultas carências de si,

A que ninguém enxerga a olhos nus…

A auto- piedade sempre é refém dum socorro.

Do socorro que nunca vem

Por também estar detido.

A vaidade , essa, é refém do vexame

Da incompreensão das tantas lições.

As de que

O viço da beleza

O ânimo

E a robustez da matéria,

Todos absolutamente

São reféns da vida.

E a vida, ora, é mera utopia vital

Sempre um refém de livre fantasia

Na eterna prisão do tempo.

Esse ser relativo

Que como o todo

Também não é ninguém.

É tão somente

A morte que passa presa

E como tal...

Sempre sem saber donde

Tampouco para aonde ir.

Ainda ouço alguém gritar por liberdade.

Quanta insanidade!

O Mistério talvez seja a única liberdade

a ser alcançada.

Enquanto isso...

Somos todos grandes patéticos reféns

Quando sem a mínima percepção

Da pequenez temporal que nos algema.