quimera

a moça não era do lugar, via-se logo

bonita e airosa demais

deve ter dado naqueles ermos

a acompanhar algum homem, por certo

mas agora vagava

algo não dera certo

em sua primeira noite ali

dormia tal uma princesa

alheia aos perigos e maldades do mundo

ignorava todas as lanternas do vilarejo

acesas à sua volta

todos os jovens machos

e mesmo os não tão jovens

mesmo os que tinham deixado em casa as esposas

ali a zelá-la, ali a vigiá-la, ali a desfrutá-la

em silêncio

apesar do sufocado vozerio das paixões

pareciam ansiar que ela os capturasse em seus sonhos

nenhum mosquito tocaria sua pele de damasco

fruta estrangeira

poucos do lugar a conheciam

macia, melíflua, cheirosa, vistosa

antes de tocá-la

os insetos encontrariam e se saciariam

na rude pele dos vigilantes

ou estes antes os esmagariam

e naquela manhã

a moça despertou intacta

Publicado no livro "gestação caosmopolita" (2014).