39°C
o sol reflete tons de azul nas escamas do peixe deixado no meio-fio
as crianças brincam de voar mas quem voa são as moscas ao redor do peixe
velhos soldados lustram os coturnos na janela esperando a convocação
balzaquianas seminuas oferecem sua carnes flácidas para que alguém as enfeixe
trinta e nove graus e ninguém parece sentir o cheiro de morte que exala o peixe
as crianças agora se escondem uma das outras em bocas de lobo desativadas
os cães copulam à luz do dia porque não submetem à moral o ato da procriação
bebâdos muito bebâdos riem muito mais e trôpegos desabam pelas calçadas
enquanto o homem diante da geladeira
não se decide sobre o que botar no pão
o sol reflete tons de prata no parabrisa do caminhão da prefeitura parado sobre a faixa
as crianças brigaram entre si por causa de resultados nos jogos e saíram de cena
as balzaquianas de carnes flácidas suadas procuram outro ponto subindo na contramão
esperando que na outra esquina surja um cavalheiro que delas tenha pena
trinta e nove graus e a distorção causada pelo mormaço me faz ver serpentes
sem as crianças resta apenas a cacofonia típica da vida à beira do colapso
depois do almoço piora porque o calor e o unto da marmita freiam a digestão
fazendo cabeças penderem durante a lida num adormecer mórbido e relapso
enquanto o homem diante da televisão
parece ter se esquecido do pão
o sol se recolhe vermelho cortando a linha do viaduto sentido marginal
aparecem os sururus em volta das lâmpadas dos bares de pinga fiada
descem as balzaquianas de carnes flácidas suadas prontas para o serão
o mundo é engolido pelo alto volume da música ruim em fita gravada
quase trinta graus agora porém ainda quente demais para se deitar
não há para onde ir porque além da lâmpada não há nada senão turvamento
a pinga fiada é o santo daime que leva a alma cansada à outra dimensão
o mundo é engolido pelo circo sanguíneo armado no meio do cruzamento
enquanto o homem que se esqueceu do pão
sai à janela à procura de ar