TERÇA-FEIRA GORDA
Resta-me o desespero
Ainda bem
Alguns nem isso tem...
Resta-me uma brasa quase morta
Resta-mem duas colheres de sopa fria
Num desagrado de opiniões tão obsoleto quanto o tempo
Resta-me uma última platéia
Ingênua e crédula
Fortuita talvez
Resta-me um um último acorde
Triunfante, melancólico, dissonante e belo como um réquiem
Resta-me você, em todas suas possíveis facetas e encarnações...
Resta-me algo não dito, algo blasfemo
Algo feio e proibido
Resta-me a realidade
E sua grande corte de acólitos fiéis
Resta-me o asco enfim
Resta-me observar o rio e seu fluxo
Resta-me chorar sobre ele e ver as águas se fundirem
Resta-me ter sentido o ritmo da jazz-band como alguns...
Resta-me a areia e o vento
Num horizonte repleto de nostalgia
Sob um céu que não nos protege
Sob um signo de solidão absoluta
Resta-me nada e tampouco algo
Resta-me uma intangibilidade quase descritível
Resta-me um sentimento do mundo, uma ligeira alegria
Resta-me a ironia e o cinismo
Resta-me, afinal, um baile numa terça-feira gorda.