TERÇA-FEIRA GORDA

Resta-me o desespero

Ainda bem

Alguns nem isso tem...

Resta-me uma brasa quase morta

Resta-mem duas colheres de sopa fria

Num desagrado de opiniões tão obsoleto quanto o tempo

Resta-me uma última platéia

Ingênua e crédula

Fortuita talvez

Resta-me um um último acorde

Triunfante, melancólico, dissonante e belo como um réquiem

Resta-me você, em todas suas possíveis facetas e encarnações...

Resta-me algo não dito, algo blasfemo

Algo feio e proibido

Resta-me a realidade

E sua grande corte de acólitos fiéis

Resta-me o asco enfim

Resta-me observar o rio e seu fluxo

Resta-me chorar sobre ele e ver as águas se fundirem

Resta-me ter sentido o ritmo da jazz-band como alguns...

Resta-me a areia e o vento

Num horizonte repleto de nostalgia

Sob um céu que não nos protege

Sob um signo de solidão absoluta

Resta-me nada e tampouco algo

Resta-me uma intangibilidade quase descritível

Resta-me um sentimento do mundo, uma ligeira alegria

Resta-me a ironia e o cinismo

Resta-me, afinal, um baile numa terça-feira gorda.

Caio Braga
Enviado por Caio Braga em 25/12/2018
Reeditado em 25/12/2018
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