CANTO REVELADO * Agora nós!
Sem Cosmos e sem Deus, ficámos sós.
Olhámo-nos após a queda abrupta:
restava o galho ou disputar a gruta
e a decisão final --- agora nós!
E vamos, nesta história mal contada,
Narcisos sem espelho de água clara,
na busca de nós mesmos, que não pára,
na busca milenar de ser buscada.
Buscar que é um processo definido
na condição de verbo transitivo:
Buscar o quê? O que ficou cativo?
O Paraíso onírico e perdido?
Ousamos mais aqui, ali nem tanto,
sempre ao sabor dos ânimos e anseios,
como se tudo fossem os gorjeios
angelicais de algum sonhado canto…
Nas horas de incerteza ou pasmaceira,
arengam charlatães as ladainhas
de pobres, de milagres, de rainhas,
de pão sem ter havido sementeira…
E numa procissão de migrações,
andamos, transumantes sem rebanhos,
no mundo que é o nosso, como estranhos,
erguendo totens e outras perdições.
O resultado somos, liquefeito,
nos tempos desta pós-modernidade:
modelo modelado --- identidade
em tudo igual do avesso e do direito.
José-Augusto de Carvalho
15 de Dezembro de 2018.
Alentejo * Portugal