Elegia do fim

I

O vazio das palavras é maior do que qualquer vazio

Porque deixa vazio todo o resto

Não há sentido fora do que dizemos

Não há sonho nem lembrança

Nem mesmo os campos aparecem

Quando não há palavras

Qualquer ruído será mera fantasia

Qualquer delírio será insatisfatório

Qualquer desculpa, incompreensível

Qualquer desastre

Soará fúnebre como um desamor

Qualquer instante surgirá de repente

Como se o silêncio o provocasse

Qualquer mentira, aceitável

Pois não há julgo, só ilusão

O vazio das palavras é tão sensível

Que o mundo já nem sente

Os homens esperam, não se sabe o quê

Nem veem que a noite já os consumiu

E deixou apenas uma vaga lembrança

De um passado que não aconteceu

Olham suas roupas no varal

Sem vento ou sol

Buscam o drama que se perdeu

E a longa caminhada passará sem que sintam falta de nada

Somente um dia e tudo o mais se evaporará

Ante esse sombrio desfecho

II

Sobre as campinas distantes e verdes

Os abutres voam no silêncio

O medo consome as plagas e incentiva o caos

O jardim abandona as flores, que morrem ante o suicídio do tempo

Os dias camuflam as ausências

A noite interrompe o florescer dos campos

Há um barco subindo infinitamente o rio

Não leva ninguém

Falcões arrancam os olhos dos poetas

Que se refugiam em cavernas escuras

Tremem de um frio compulsivo

Fazem cantilenas surdas com metáforas antigas

Dormem ao relento sem sono que os consuma

III

Árvores frutificam frutas podres

Que até as almas se engasgam em busca da pronúncia impossível

Cadernos com milhares de folhas

De um branco cinzento como nuvens de chuva

Cada página contendo apenas certa necessidade de expressão

Desenhos inusitados de hieróglifos moderníssimos

À margem de tudo, raízes comunicando

O vazio da não-comunicação

De plantações perdidas em ironias no vão de todas as páginas

Cada passo conduz ao vale sombrio

Do silêncio total

IV

Carros imensos levam uma multidão

Mudos, todos

Num estertor insuportável

Como uma infinidade de nada

Um carregamento invisível de dicionários

Numa babel confusa e sem palavras

Em cada casa há uma placa pedindo silêncio

E em todas a imagem de um morto

Que poderia ser qualquer um

Mas é todos nós

V

Uma estátua de pedra na beira da praia

É o que sustenta as letras de toda a nação

Qualquer um que queira se insurgir contra o silêncio

É imediatamente obrigado a calar-se e adorá-la

Ajoelhar-se e rezar pedindo luz, mas, principalmente

Palavras...

Há um clima hostil em frente ao espelho

Porque as imagens são tão nítidas

Que nada é possível esconder

Embora nada possa ser dito

Nesse tribunal terrível do novo mundo

VI

No próximo instante a vida se processará

E aniquilará o barulho do vento

As planícies, silenciosas, matarão a fé

Os rios secarão e o homem não mais saberá conter seus ímpetos

Ante o azul sem cor do céu de agosto

Cobrirá sua alma com um gosto amargo

Mas nada sentirá

Só a tempestade se aproximando

Silenciosamente, sem alarido, sem alarme

Assim, o desastre acontecerá inevitavelmente

VII

Depois dessa noite, outras virão e a canção morrerá

Chicoteada pelo tom sombrio da atmosfera

Que, densamente, anunciará sua pena

E somente trovões se escutarão

Porque o mundo consumiu sua voz

E deixou o silêncio prosperar

Até que não mais se soubesse qual seria o legado da noite

Dentro do coração vazio

Sem palavras o caminho será sempre longo e impossível

A casa se encherá de pássaros

Mas nenhum saberá cantar

E tudo será silêncio

Um silêncio repleto de ruídos apavorantes

Assim se vislumbra o fim

Uma longa e infinita ausência de palavras.

João Barros
Enviado por João Barros em 12/12/2018
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