O EGOISMO EM QUESTÃO

Não consigo ser impessoal

Não sei falar das coisas sem que seja eu que fale

Porque se sou eu quem fala não sei fingir que não seja

Pois minhas palavras não se separam de mim

Eu sou tudo isso que digo

Como não sou nada do que não diga

Sou, mas não do jeito que falo

E sim como as palavras surgem e se transformam em pensamento

Esse pensamento, enfim, sou eu

Ou o significado desse pensamento

Sem que ele signifique qualquer coisa

Subjetivamente, eu sou um

Ideologicamente, sou muitos

Sem qualquer ideologia

Por isso, com todas as ideologias possíveis

O que fui ressurge em mim com toda a força dos imprevistos

E fala mais alto do que minhas palavras

E pensa melhor do que eu mesmo penso

Acho que sempre fui outro

Que era melhor do que sou

Ou que serei melhor

De alguma forma o ideal nunca é o que é

Mas tão somente uma lembrança ou um sonho

Uma possibilidade

Que nunca está ao alcance

Um reflexo no espelho do tempo

Uma imagem submersa nas águas da noite

Um antes, um depois, um nunca

Um espírito sem corpo vagando sem destino

Ou um corpo sem espírito que sabe sem saber

Que está ausente

Longe do momento e de si mesmo

Tudo o que sou está nas palavras que disse antes

Embora nem as palavras sejam minhas realmente

Tomei-as emprestadas do horizonte

Que está sempre mais distante do que eu

E com isso pode melhor ver

Sem qualquer paixão que o cegue

Como me cega qualquer paixão

Não consigo ser imparcial

Sou de um lado ou de outro

Estou sempre dentro do que penso

Assim como o agora pertence ao hoje

Inseparavelmente

Tudo isso une as coisas a seus conceitos

Forma a imagem distorcida do ideal humano

Porque cada um volta os olhos à sua própria imagem

E enxerga só o que lhe convém

O eu, porém, é igual a todo mundo

Por isso que todos se parecem

Mas ninguém é verdadeiramente igual

Mesmo que seja o nome, mesmo que seja a cara, mesmo que seja tudo

O pensamento vai distinguir de alguma forma um e outro

Só se eu não tivesse mesmo certeza de nada

É que eu faria o necessário

Para que tudo no mundo fosse remediado

Mas, quantas palavras seriam capazes de mudar qualquer coisa?

Eu nunca tive a intenção de alcançar nada

Por isso mesmo não cheguei a lugar nenhum

Só aqui onde sempre estou

Pensando somente em mim

E nas coisas em que penso.

João Barros
Enviado por João Barros em 10/12/2018
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