Lagarto bêbado
Algumas verdades nossas são arredias, maltrapilhas.
Vivem escoradas nas ventosas dos medos, como reclusos hóspedes
que mal mostram sua cara, sua voz.
São verdades nubladas, mancas, que insistimos em cerzir
com os flácidos dedos da razão.
Verdades roucas, mal saídas do útero, que desengonçamos
nas entretelas da vida com maestria vulgar.
Seus penduricalhos cadentes são camelôs aflitos em busca
de redenção, de ar, de aplauso.
Verdades obesas no seu pensar, embebidas dos restos
dos nossos desejos, alucinadas por nos fazer ajoelhar, sofrer, rasgar.
Cada uma delas respinga anos perdidos, valsa tosca que insistimos
em cortejar, em trazer de volta pra casa.
Mas seu instinto mambembe deslancha, fugindo das nossas emboscadas
com fluidez de lagarto bêbado.
De nada vale dedilhar essas palavras empapuçadas. como se quiséssemos
arrebatar sua atenção, seu brilho.
De nada vale teimar em ser íntegro,
enquanto sua pança escancara o que temos de mais vil, de mais asqueroso.
Nossas verdades desafinadas vão sempre ficar
à frente da plebe que compõe nosso gingado, nossa claque.
Serão porões descalços vencidos e absolvidos pelos véus do chão.
Quando tudo virar nada, quando eu e você não passarmos de frias lembranças,
aquelas verdades fugidas virão à baila
e implorarão o nosso perdão, seja ele o que for.
Então, sustenidos, poderemos debruçar nas querelas das certezas
pra aguardar a morte se avistar, como todos seus vãos e sacadas.
Desse fim ninguém ficará ileso, nem distante.
Todos serão fagulhas do mesmo graveto em flor..