Lagartas cegas
O amor chegou pra mim meio achinelado.
mergulhado num copo de gim.
Olhou desconfiado, ameaçando fugir,
e sorriu.
Era amor graúdo, espalhafatoso,
feito palhaço estreando com plateia lotada.
Ainda não tinha cheiro nem bafo de amor.
Ainda não teve tempo de se encardir, nem se lambuzar
de certo talvez, de certo porém.
Diria que ainda não se vestiu, nem teimou
em ser sangue caindo dos calos da fé.
Meu amor precisava de arremate, de recheio,
por certo de tempero.
Ainda não havia aprendido o caminho das cores,
dos soldos, dos afagos.
Ainda não havia degustado meus refogados
de arco-íris, querelas zunindo no ouvido feito lagartas
cegas, atônitas, desencontradas, destituídas.
Nesse amor ainda por desencaminhar, ainda por
untar passos proibidos, vou desfilar gotas de veneno,
gotas divinas do mais apurado exalar.
Depois, absolvido das minhas feridas, agarro esse
amor com tanta descompostura que faço Deus rosnar.
Que amor desossado me deram,
descortinado num passo de avestruz,
que tento amealhar sem pressa, sem desculpa, sem farrapos,
sem cangaço.
Vai, amor, retoma seu legado, crina cerzida ao pé da cruz.
Vai, amor, respinga em mim seu torpor aguerrido, apunhalado.
E me deixe dormir em paz, aguçado de tanto feliz.