Quem bate?

No pontiagudo cimo,

Um deus, com seu sinistro martelo,

Forja algo na bigorna,

Que não nos é permitido

Saber qual a natureza

E, mutatis mutandis, que forma assumirá.

Os homens aglomeram-se ao pé da montanha,

Parados ali, escutam uma cantoria:

- Todo tom tem som,

Todo dom é bom,

Todo tonto tem

Tão grande dom.

Os doutores, embaixo, ouviam

Essas palavras desconexas

E perscrutavam qual motivo

Levara o deus à loucura,

O que lhe fazia pronunciar essas palavras sem sentidos?

Há séculos o deus continua a bater,

Não dirige mais sabedoria aos homens:

Estes tudo já sabem, ou imaginam saber;

Não um saber abstrato e meticuloso,

Como os bigodudos alemães de outrora;

Mas apertar porcas, isso eles sabem:

Porcas mentais, ou matérias, não obstante, porcas.

Tudo isso desperta no deus uma ira melancólica

Dos tempos de aves e condores,

Que com bicos recurvados dilaceravam a podridão,

Voando espiritualmente livres

E não presas ao chão.

Algum outro deus largou-nos à deriva,

Sem rotas para retornarmos ao nosso palácio,

Estamos inebriados por alguma poção?

Os pretendentes já arrasam com as providências do castelo,

Cercados por ciclopes e hidras anencéfalas

Que vomitam um turbilhão de normas gramaticais:

Não voarás; não pensarás; não farás.

O não se difundi nas ocas cabeças,

Mas cheias de informação:

Esta é, na verdade, o meio

Em que ele melhor se propaga.

Os Homens têm os ouvidos tapados

Com a cera do reticente não,

Os olhos enxergam, burocraticamente, números apenas.

As luzes haviam substituído o deus,

As luzes eram o mal:

Segavam toda fantasia.

Apenas os tontos tinham salvação,

Pois eram os únicos que ainda se permitem imaginar:

Livres, livres de tudo, livres de todos;

São as pedras no caminho do mundo racional.

Para ser tonto exigisse um grande esforço intelectual –

Ao contrário do que sabem os magistrados:

Não basta fazer parvoíces ou dar tropeções,

O tonto é um criador.

Cria sem preocupações e dimensões.

Homens que riem dos sonhos cartesianos;

Homens que fazem Euclides um ser assimétrico;

Homens expulsos da república:

Os Aristofánes desgostosos rindo e soluçando,

Senhores da gargalhada em frente ao trágico,

Homens que, em sua derme, borbulha o desejo.

O deus e sua bigorna fugiram do imperativo categórico,

Ou melhor, o deixaram para trás.

O deus queria vestir-se de forma mais colorida;

No entanto, hoje, ele anda nu.

Continuamente, bate em sua bigorna,

Não se sabe o que produz ali,

Espera-se que seja divino,

Já que mão por mãos divinas é engendrado.

Só escutamos os beijos de aço do martelo na bigorna:

Uma paixão irrealizável,

Pois o rijo braço está sempre a separá-los.

Talvez, esteja, agora, rindo, o Deus,

A não produzir nada, apenas a bater.

Engana os homens que em tudo buscam um fim;

Um retorno, ou algo assim.

Ele, somente, os turva a áurea razão

E a derruba com um tola rasteira.

O homem racional tornou-se manco,

Enquanto o tolo um veloz corredor

Que vê a própria luz tentar segui-lo:

Impossível pega-lo; pois enquanto ele saltita,

Ela se arrasta.