Na proa da solidão
Somos mártires das nossas próprias ladainhas,
vítimas indefesas das rebarbas que a alma cospe,
meros entulhos num lixão impune.
Também somos rimas da poesia dos ventos,
ninho aveludado embebido de toda paz,
gosto bendito que faz a rocha gozar.
Nessa mistura colorida e bagunçada,
onde deflagra o melhor da vida,
nossa meada se mistura, confunde seu gingado,
fica atônita num aguaceiro bêbado e feroz.
Somos trocos no mesmo rasgo,
somos cacos no mesmo trago,
somos sombras na mesma rinha vencida,
somos amarras no mesmo galope manco.
Daí a voz entulhada de mel reage,
fica mais metida, mais espevitada,
disseca poros que fecundam os vãos do querer-bem,
fica na espera de bênção, do chute indócil,
quem sabe os gritos de uma ferrugem qualquer.
Então volto pro ninho,
meio sacudido, meio coalhado,
nadando na certeza de que tudo foi bom,
esquecendo cada vão selvagem que fiz arder,
deixando de lado os tempos encardidos,
quando pouco entendia das manchas da pele,
quando pouco sabia da proa da solidão.