Que venha o perdão
Perdoar não é coisa pra amadores,
exige alma madura, razão de ossos fortes,
certeza sem rebarbas, sem desvios.
Perdoar, por vezes, faz sangrar, faz deluviar,
revira Deus do avesso até sempre,
embaralha as armaduras do tempo sem dó.
Por outras vezes, perdoar desencarde nosso ar,
esmigalha os galopes da arrogância,
destrona o reinado perpétuo da incompreensão.
Nem sempre o perdão vai ecoar perfumado,
nem sempre será aninhado com ternuras aquecidas,
nem sempre será recebido com o cheiro do céu.
Porque seus tentáculos, milhares deles,
vão à cata da presa numa esfomeada investida,
deixando de bater à porta antes de entrar,
e isso pode desarranjar o coração,
cambaleando o caminhar até ruir.
Mas o perdão, mesmo entulhado de ressalvas,
vai vencer todas armadilhas, todos rasgos letais,
pra estrear seu brilho num maravilhoso alvorecer,
deixando os homens redimidos do seu próprio fel.
Então tudo se apaziguará como sempre mereceu,
o mar revolto será suave brisa,
a confusão dos ventos abandonará a guarita,
as feridas berrantes vão dormir abençoadas,
pra tudo se ajeitar, se alinhar, se entender,
se acordar em luz.