A vida que não vivi
A maniva brava, a vasta terra,
Vaza, com o brutal golpe d’um facão,
Que a destra mão sertaneja ferra
O pobre chão; mas, mesmo não sendo vulgar,
Despida faz feliz o seu ladrão.
Sua carne a mãe põe-se a ralar,
O pobre preto pivete peleja
Para da fome não fazer seu lar.
Vermes há na alma sertaneja:
Barriga inchada; alma torturada.
A rês que se desfez da vaquejada
Será, do magro solto do peão,
Arrancada; a morte aparece-lhe
Com’um boi vagando pelo sertão,
A velha co’a foice, um caixão, talhe.
Ao ver o rubro couro se movimentar,
Crê ser o arrebol o seu lugar.
Mulas híbridas coram de poeira
Os heróis da Caatinga matadeira:
É Pajeú que a fé vem nos dar.
Herói desnutrido qual todos cá,
Que traz do mar às águas pro sertão.
O boiadeiro quer tudo aquilo:
Pistola; fuzil; faca; verso cantar.
Ele matuta ao bando se ajuntar.
Antes de partir pedem proteção
Ao orador padre de Juazeiro,
Que o destino alcunhou por Cícero:
Homem santo que fez de capitão
O cangaceiro cantor de baião.
Três crucifixos pendem do pescoço;
Envolta ao dorso a munição.
Ferrão e punhal querem vingança
Por todos retirantes que, do chão,
Saem sob a bota do coroné.
O mauser assubia a canção
De uma bala que busca o soldado
No meio do turbilhão: é o pássaro
Que encontra a gaiola no coração
D’um irmão que foi filho desse chão.
A tinta já começa a secar-se,
Como o sangue que se coagula
Pela árida Caatinga mortal.
As balas adormecem sossegadas
No pelego, atrás deste poeta.
A terra em sangue fatal embebe-se.
O mandacaru pintou de cor rubra
As antigas alvas flores do céu:
Sangue e terra criam deste chão
Uma nova cor que se chama cor Brasil.
Perdemos, derrotados nós estamos:
Jagunço nunca morre, mas vira
Estrela viva no céu a piscar;
D’aqui, vê-o, a pólvora, queimar,
Dispara’o chão a luz que nos guia.
Os sinos da igreja cantam tristes:
- Pajeú é lei, Pajeú é rei;
- Pajeú é rei, Pajeú é lei;
- Pajeú é lei, Pajeú é rei;
- Pajeú é rei, Pajeú é lei...