É ASSIM QUE SE MORRE
a gaiola não cabe o pássaro
a janela aberta não atrai o voo
as grades fraquejam, enferrujadas
a matéria alquebrada
voa o pensamento pelas encostas
voa longe, muito longe
os olhos da ave são flechas nas imensidões
perdeu-se o Criador de sua obra
aquela ave, no entanto, não se dobra
não há um só carrasco à espera
prepara a corda, espera a oportunidade
não, não chorem
assim se lambuzam de sangue e da alheia vida
os covardes
que restarão sobre a carniça humana
satisfeitos de sangue
suas bocas são fossas treinadas em ironizar
voa o pensamento pelos vales, sobre os mares
voa o pensamento sobre os rios
o corpo vencido e inerte atrai abutres
pousados com suas capas hediondas
intestinos cheios da miséria humana
voa o pensamento sobre a morte
os abutres estão lá sobre o corpo dilacerado
comem-lhe o fato, fendem-lhe o fígado
o coração parou
o sol no céu estacionado
os aviões passam
eles estão fardados
o esquife na bandeira enrolado
o vermelho mancha o azul
o carrasco frio e impenetrável
ergue-se no ar o toque do silêncio
não há hino para injustiçados
salva de tiros na favela
morrem as mulheres
as crianças comem os dedos
eis a pátria dos ávidos pelo ouro da bandeira
sequiosos pela paz estraçalhada
segue o teatro, a marcha de fachada
o rei morreu
talvez o mataram
sobrou um grito no abismo
um carrasco que não foi convidado
da vida e da morte
maldito soldado
voa o pensamento entre as galáxias
nascem outros por aí
cartas marcadas, vítimas do porvir