Vamos dar tempo ao tempo

Vamos dar tempo ao tempo

Demos tiempo al tiempo:

para que ele vaso rebose

hay que elenarlo primero.

Antonio Machado

a tarde suspensa e ardente

transborda em sombras azuis

o silêncio arde

corre em direção aos rios

lentamente

penso em você

sei que vais partir

as palavras estão gastas

as lágrimas,

as apertamos inúteis

as mãos, antigas, já não se tocam

o afeto era no tempo dos segredos

e ficou decepado entre os gerânios

e os meus medos

a ternura é palavra deserta

não nos afeta mais

nossos olhos olham a sombra

que rasteja pelo chão

queimam as noites devagar

enquanto a primavera demora fatigada

derramam-se os caminhos entre os álamos

vamos dar tempo ao tempo

de sílaba em sílaba diremos

às golfadas

da indiferença e do adeus

já não nos dizemos,

vacilantes e exaustos

o deserto cresce

é tempo de colher o aroma das tristes palavras

a brancura da voz quebrou-se

o silêncio arde nos ventos

dizendo tantos ais ao firmamento

e os dias caminham assim:

redemoinhos de emoções

a girar dentro de mim

chove,

e as janelas estão nuas e inacabadas

os pássaros pousam entre a poeira e o sono

em plena hora da aurora

e o desconsolo já não é suficiente

para carregar os dias pela ausência

hoje já não colho flores pra te dar

a vida ficou sozinha

colho gotas da chuva

que cai lambendo as lembranças

bebo a solidão em cálice pequeno

apaga-se a luz da vela

crianças cantam uma cantiga,

numa tarde que está tão longe

as violetas dizem o teu nome

o amor se parecia com o mar

agora é um perfume derramado

dos lírios esculpidos no ar

o silêncio esquecido nos lábios

os medos e os muros dentro dos instantes

vamos dar tempo ao tempo

é noite agora

o escuro dorme lá fora

e ficou no tempo este exílio

que fito dentro do espelho

onde começam os jardins sem flores

da tua ausência