E AINDA DEU TEMPO…

Foi dada a largada para acelerar o tempo.

Ali na parede

O cuco soa desorientado de luz,

Tal qual o sabiá lá de fora canta

Para ninguém lhe ouvir.

Ambos se assustam

Sem saber

Que já passou o tempo

De se assustar.

Assincronia dum tempo

de cantos dissonantes.

Os pássaros, por terem asas,

Não sabem da relatividade insana

Mas absoluta

Do seu canto pelos tempos…

Tempo

É o que desafia e zomba

dos relógios do mundo.

A criança sem tempo brinca na calçada

Enquanto o ancião tropeça

No tempo perdido

Que, só apressado,

Lhe abriu um rombo nos tempos do caminho.

Nenhum dos dois sabe para aonde vai

porque ambos são um só.

O tempo apenas os acompanha

sem nunca ser.

Vai a frente por decreto de correr sem lógica

Sem desconfiar que é mentira

Que um dia poderá voltar atrás.

A ordem de hoje é correr nos relógios.

A mulher corre para pegar o ônibus

Só porque ainda deu tempo.

Deu tempo de entornar um café

De ontem,

De passar um batom cor de boca

Para o amanhã

Deu tempo até de disfarçar

Todas as olheiras do tempo.

Hoje, acelerada por decreto,

Não lhe ouve tempo suficiente

Para fazer a “chapinha”

Nem de escolher a lingerie.

Chapado e indolente é o tempo,

no concreto abstrato

de todas as coisas!

Então, calça uma rasteirinha

Só para dar uma rasteira no tempo.

Mas...

Até deu tempo de riscar mais um sonho nas nuvens

que sempre passam pelo tempo

nuvens e sonhos

fazendo caretas indecifráveis.

O relógio do sol e das paredes

Foram acelerados:

O do pulso também.

E todas as bússolas dispararam sinais no céu

em nome dos nortes dos ponteiros desnorteados,

A correr o nada num tempo que nem é.

Ainda deu tempo de esperar a meia-noite

Para ver a abóbora uma hora mais cedo.

Ou mais tarde?

Não sei.

Ao menos…

Ainda deu tempo de vestir o pijama

Para regular ao relógio biológico

Todo o tempo idealizado e já ido

No ideológico corrido.

Deu tempo de abrir um livro,

De fazer um verso,

De sonhar um poema atemporal

De riscar um rascunho na folha em branco.

Uma hora a mais...para se pagar lá na frente.

(nada nos é de graça!)

Para se rolar os dados

Ao desconhecido do tempo que só chega...

Deu tempo de rezar, graças!

E até de registrar um milagre,"em tempo"

Antes que ele se fosse.

Restou mais algum tempo

De temporalizar

O que não existe.

e…

Apesar de todos os relógios

Ainda deu tempo de correr

com pressa...

Para dar cordas à vida.