A dor doída da ingratidão
A ingratidão permeia nossa alma
como o vento que está por todo canto.
Ela por vezes é mansa, inexpressiva até,
não se fazendo notar,
como micróbio quieto no seu ninho.
Por outras vezes berra, como berra,
se agigantando até ficar maior que tudo.
Nessas horas traz à tona suas garras,
seus dentes famintos, seu berro ensurdecedor.
Quando vem de alguém próximo,
especialmente querido,
especialmente aninhado,
especialmente gerado,
a coisa fica feia, como fica.
Sei bem disso. Como sei.
Ela arregaça as mangas, apruma seu punhal,
pra virar fera lutando pelo pão de suas crias,
pra virar Deus de Deus. Até bem mais que isso.
Feito rolo compressor passa por cima do nosso coração.
Detona cada grão do nosso entender,
do nosso acolher, do nosso sobreviver,
do nosso bem-querer.
Essa ingratidão medonha, de asas fartas,
esmigalha tudo sem a mínima compaixão,
sem qualquer gota de humanidade,
sem nenhuma sobra de perdão.
Daí a gente entende o passo da dor doída,
o destino de morrer infinitas vezes,
acometido de todos os males
que já passaram por esse chão.
Essa ingratidão absoluta vai reinar impune
nos rincões mais longínquos da gente,
como câncer insaciável que quer mais e mais,
e mais. E muito mais.
Como algo que se eternizará sem pedir licença.
Daí vamos perceber aquele roteiro da vida,
com todos seus suores, açoites e lixões,
entulhados pelos gritos de um sofrer escaldante,
que chega com todas suas quinquilharias
pra nunca mais ir embora de vez.
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inspirado numa história real
e bota real nisso