Tumor estelar
Meu medo foi ator de quinta categoria,
de olhar trêmulo, voz carregada,
músculos desafinados.
Ele trafegou pelas alamedas da alma,
atrás de comida, de afago, de luz.
Pouco sorriu, pouco respirou, pouco untou.
Mas mesmo enfurnado nesse pálido bornal
foi capaz de me ferir com pontiagudas cantigas,
me cutucar com pedradas mundanas,
me detonar com versos de pagão.
Meu medo foi doutor, foi repleto de ossos puídos,
que espalharam amargos gozos por tudo de mim,
esmigalhando o pouco de lucidez que ainda resistiu.
Foi medo de seios desembestados e suores aflitos
que tanto fizeram ruir passos que erravam de saída,
que tanto deixaram coalhar o que meu coração torneava.
Mas eu, amador nos gritos,
o queria cada vez mais remendado e tosco.
O queria morto, apodrecido, desarmado de raiz.
Sendo medo e não arremedo,
ele esticava o peito e me chamava pro pau,
se atracando aos meus encantos babados,
fazendo o chão se encolher de tanta vergonha.
Nós - eu e o medo - assim ecoamos nossos trapos,
assim desencardimos cada câimbra bastarda,
assim perdoamos cada sangue esquisito,
assim rasgamos cada tumor estelar
no mais alto podium do mundo.
Hoje mais entendido das curvas do suor.
hoje mais amigo dos ventos aflitos do não,
hoje mais resguardado das fronhas do saber,
recebo o medo em casa com pompa de rei.
Faço cortejo, faço festa, abano meu rabo com alegria,
pois entendo seu tiro de placebo,
que outrora arrasou as paredes do meu útero,
que outrora brilhou no meu palco até o ar enferrujar.
Por isso, não mais o temo, nem rejeito, nem afago.
Nem, tampouco, o espero pra jantar.
Ele foi embora de mim com o rabo entre as pernas,
corpo encurvado, cabelos ralos, desalinhados.
pra nunca mais voltar.