Morrendo em paz
Algumas tristezas vêm num engasgo,
chegam se arrastando do nada
e ficam teimando pra ir embora de vez.
Às vezes são tristezas pálidas,
sem muque ou lastro,
frágeis como certas paixões,
que navegam sem grande pompa.
Nessas tristezas-meninas,
roucas ainda nos desejos,
imberbes ainda nas garras,
amadoras ainda nos sonhos,
mais entendemos dos dons da vida.
Quando as deixamos florir,
sem aquele tom áspero de alguns reis,
sem o gosto amarrado do medo,
sem o passo bêbado da dúvida,
sua nudez ficará à nossa mercê,
feito escrava desgarrada
que volta ao ninho original.
Por vezes encurralamos a tristeza,
tapando quaisquer saídas que lhe possam servir,
descabelando fios da fé com pressa,
dissecando suas vísceras mais escondidas,
desbravando cada pedaço do seu chão.
Nessas horas purgamos nossas mágoas.
paramos de flertar com risos mancos,
decapitando tumores que se diziam eternos,
permitindo que Deus retorne o seu cantar.
Então, ungidos e libertos da dor,
que fazia da tristeza seu gozo maior,
redimimos os gomos já saciados,
devolvendo aos céus tudo que nos untaram,
para podermos, então, morrer em paz.