A NOITE QUE NÃO TERMINOU
Naquela noite somente se ouviu o silêncio
Nem mesmo os cães se prezaram a ladrar
Até a lua receou em esbanjar seu brilho intenso
Um clima denso de medo tomou conta do ar
Em seu barraco na vila, uma família humilde dividia o pão
Mas antes, de mãos dadas ao redor da mesa fazia uma oração
Três noites haviam se passado sem notícias da sua filha mais velha
“Misericórdia, meu Deus”, clamavam incessantemente, “proteja Daniela”
Em seu quarto, a menina dos olhos turvos se questionou
Que maldito agouro trouxe à noite desta vez o dia?
Olhou para a navalha que comprara ao meio-dia
Maldita foi a sombra que tanto a importunou
Sempre acompanhado pelas suas astutas engenhosidades
Criadas por ele mesmo, refletiu o Douto, considerando diversos lados
Do problema, escrevendo um artigo concluindo suas avessas sanidades
Verdades de escritório, inspiradas em seus livros empoeirados
O lobo noturno estava desperto e foi a rua como sempre
O seu passo silencioso como a noite não podia ser notado
Mas ele notou a movimentação dos cães, também os ouvia claramente
O que fora feito durante o dia para todos ficarem surdos e calados?
Se dirigiu até o centro, ao caminhar pelas praças não viu ninguém
Questionou-se, então, para onde teriam ido todos os mendigos?
E aqueles jovens alegres que não faziam mal à ninguém?
Teriam finalmente encontrado um bom abrigo?
Distraído em suas abstrações ele foi surpreendido
Não viu nada, senão um saco preto envolto em sua cabeça
E um soco que o fez desmaiar no momento do ato deferido
Despertou numa sala, onde o último que viu foi um doutor colocar um chip na sua cabeça
Daquela noite em diante ninguém mais saiu de casa
A noite, a lua triste e envergonhada nunca mais voltou
A brilhar no céu, e o pássaro de aço cortou o céu com suas asas
Aquela foi a noite que só a lua testemunhou, aquela foi a noite que nunca terminou