sob efeito de pó

enquanto astros do rock americano

afundam os narizes em cocaína,

com suas jaquetas pretas de couro

ou suas camisas regatas brancas,

ou ambos, combinados

eu queria apenas metade da grana

que tem os vendedores de cocaína

pra me mandar daqui

pra ir embora daqui

onde meu chão é frágil

e a tristeza me faz perder quilos

aspiro fundo

não uma carreira de cocaína

mas o ar fresco

porque se não respiro, morro

se morro, viro pó

e os usuários de pó

em seus apartamentos de classe média alta

em seus carros importados

em banheiros de bares

me dizem que tenho que viver

tão intensamente quanto a sensação

que sentem quando estão

em seus poucos momentos de brisa

e se sentem reis imbatíveis

e gigantes inabaláveis e invencíveis

nas minhas andanças solitárias

no centro da cidade e em festas aleatórias

eu penso em sobre como tenho andado tão sozinho

e simultaneamente, há pessoas se beijando

há pessoas se abraçando, rindo

há pessoas conversando à minha volta

e me pergunto o porquê

o porquê de eu ser tão sozinho

enquanto há pessoas à minha volta

de mãos dadas, de braços dados

fazendo contato visual, físico

relembrando acontecimentos passados

planejando acontecimentos futuros

e curtindo o presente espontaneamente

minhas camisas estão mais largas

sinto dores de dente

tenho dificuldades de planejamento

ando esquecido demais

pensativo demais

desmotivado demais

e a única pessoa que me pode salvar

está como quem está numa pós-brisa de cocaína

e tenta se manter sólido

eu tento me manter sólido

para que esse mundo mal

não me destrua por completo

porque, se tiver de ser destruído por algo

ou alguém

que seja por mim mesmo

mas não é o que pretendo

deixo para os astros do rock americano

se destruírem aos poucos

com seus narizes afundados em cocaína

e enquanto eu não alço voo

eu vagueio pelo chão palpável

com os olhos, mesmo míopes, atentos

olho volta,

vou, volto

sondo o terreno

e, como os usuários de cocaína

depois de adquirir impulso e coragem

depois de aspirar uma carreira alva e leve

vou pra uma transa initerrupta com a vida

sem intervalos

nem mesmo após o gozo

insaciável

recomposto da tristeza

e sob efeito do pó

de alguma esperança

Daniel Matos
Enviado por Daniel Matos em 13/10/2018
Código do texto: T6475351
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